sábado, 19 de fevereiro de 2011

Estrada de Ferro Itutinga-Pilões

A região de Santos possuiu, desde o início da era ferroviária no País, uma das mais impressionantes diversidades em termos de sistemas de trilhos e bitolas que se conhece no País e talvez no mundo.
Poucas vezes teremos visto, concentradas em uma região geográfica relativamente pequena, tantos e tão diferentes tipos de sistemas, linhas ferroviárias e bitolas, desde a poderosa bitola de 1,60 metro da São Paulo Railway, até as modestas bitolinhas de 0,60 m das ferrovias bananeiras e de serviços das inúmeras indústrias que haviam no local no passado, passando pelas linhas de bonde em Santos em sua bitola exclusiva e as linhas na Companhia Docas de Santos nas bitolas de 0,60 e 0,80, 1,00 e 1,60 m.
Entre esses sistemas, um revestiu-se de especial importância e interesse, pois - ao contrário da grande maioria dos sistemas de 0,60 m existentes na região para o transporte de bananas (as ferrovias bananeiras), que se utilizavam de pequenas locomotivas no sistema "Decauville" - essa ferrovia usou locomotivas de porte relativamente grande, destacando-se as máquinas das empresas Kerr-Stuart (inglesa) e inclusive robustas locomotivas alemãs da Henshel & Son.
Existem poucos dados a respeito dessa ferrovia, mas - de acordo com informações colhidas junto aos pesquisadores ferroviários Nicholas Burmann, Sérgio Mártire e Moysés Lavander - ela pertencia à City of Santos Improvements Company - Companhia City para os santistas - e iniciava-se na Estação Ferroviária de Cubatão, da São Paulo Railway, estendendo-se a partir daí por mais de 15 km, percorrendo os vales dos rios até a represa da Cia. City. e posteriormente a linha da Estrada de Ferro Sorocabana na altura de Mãe Maria. 
Vista da Usina Henry Borden, com a ferrovia ao fundo
Ao deixar a estação de Cubatão, um pouco adiante a ferrovia lançava um ramal à sua esquerda, em direção ao local conhecido como Sítio dos Queiroz, aparentemente para uma pedreira. Havia também um desvio à direita alguns quilometros à frente, onde um pequeno trecho de linha ligava a ferrovia de Pilões com a linha que, também saindo da estação de Cubatão da SPR, ligava-a à Usina Henry Borden, ramal esse em bitola de 1,60 m e que era em bitola mista a partir do encontro com um ramal da linha da Estrada de Ferro de Pilões.
Prosseguindo a linha de Pilões em direção aos reservatórios de mesmo nome, ainda havia um pequeno desvio que ligava essa ferrovia à fábrica de papel no bairro Fabril. Inicialmente a linha era na bitola de 0,60 m até os reservatórios existentes a 3 quilômetros de Cubatão, onde existia um segundo sistema de tratamento e bombeamento para as adutoras existentes em direção à cidade de Santos e que era utilizado ao mesmo tempo também para a captação das águas do Rio Cubatão.
Quando da construção da Via Anchieta e da Usina Henry Borden, presume-se que a linha foi então eletrificada na bitola de 0,80 m e construídos para a tração um bonde que por sua vez rebocava um dos antigos bondes a burro da cidade de Santos, fazendo então um percurso utilizado pelos moradores dos bairros que nasciam em redor da ferrovia. A partir dessa intersecção, a ferrovia continuava na bitola de 0,60 m, até a captação das águas na represa existente ao pé da serra e no vale dos rios Quilombo e Cubatão.
A Estrada de Ferro Itutinga-Pilões em cor magenta, as linhas da Usina Henry Borden em Vermelho, a linha da São Paulo Railway em verde e a Estrada Velha de Santos em amarelo.
Os mapas do IBGE dos anos 60 e 70 já mostram a linha partindo da Fábrica de Papel, o que demonstra que essa ligação deve ter sido amputada - junto com o ramal de 1,60 m que servia à Usina Henry Borden - com a construção da Via Anchieta, mas que ainda existe nas proximidades dessa Usina.
A passagem em nível ainda existe e algumas versões dizem que posteriormente os bondes utilizados nessa linha foram transferidos para Bertioga, na Hidrelétrica de Itatinga, informação a ser confirmada ainda. Todo esse sistema estava situado onde hoje temos o Núcleo Pilões, do Parque Estadual da Serra do Mar, no vale do Rio Cubatão, e em muitos pontos podemos ver ainda seus trilhos.
Locomotivas fabricadas pela Kerr, Stuart, com bitola 0,60 m:
Nº. de  fábrica
Rodagem
fabricação
Nome
Tipo
116
0-4-2T
jan/1898
Pilões
 Midge
635
0-4-2T 
mar/1898
Cubatão
Midge
1.248
0-4-0ST
nov/1913
Maipoori (*) 
Wren
(*)  Esta locomotiva foi construída originalmente  para uma empresa da Guiana Inglesa, a A. P. Bugle, localizada em Demerara,  que comprou-a nova e  deu-lhe o nome “Maipoori“,  sendo recomprada pelo fabricante Kerr, Stuart em junho de 1914 e revendida para a Cia. City no mês seguinte.
A ferrovia funcionou durante décadas, mantendo inclusive algumas locomotivas alemãs adquiridas em condições incomuns, até que uma grande enchente em 1974 provocou o estouro dessa barragem e destruiu as pontes ferroviárias sobre os rios Cubatão e Pilões, impedindo o funcionamento da linha férrea e o da Usina que abastecia a fábrica de papel. Hoje ainda se pode chegar às ruínas da Usina Hidrelétrica, da qual restou a barragem, através de trilhas que em grande parte passam pelos trilhos dessa ferrovia.
Entre as máquinas dessa ferrovia, destacamos 3 locomotivas Henschel & Son, construídas em 1916 e que, segundo consta, foram utilizadas no exército alemão na época da Primeira Guerra Mundial, quando, de acordo com os dados disponíveis, elas estariam sendo transferidas pela Alemanha para as colônias africanas, ficando retidas no Brasil como compensação de guerra, e sendo vendidas posteriormente à Cia. City.
Eis as características dessas locomotivas:
Nrº Fábrica
bitola
Rodagem
fabricação
Nº City
Observações
14494
0,60 metros
0-8-0T
1916
811
Locomotiva militar
14678
0,60 metros
0-8-0T 
1916
815
Locomotiva militar
?
0,60 metros
0-8-0T
1916
179?
?

De acordo com os poucos registros conhecidos dessas máquinas, uma delas foi destruída quando do estouro do gasômetro em Santos, em 1967. As duas restantes, de números 811 e 915, foram aposentadas após a grande enchente de 1974 e ainda permaneceram nas instalações da Usina durante muito tempo, até que depois de muitas andanças, onde estiveram até em poder da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), foram preservadas em locais cobertos em Cubatão, no Parque Anilinas (máquina 915) e no Conjunto Poliesportivo Constâncio Vaz Guimarães em Santos (máquina 811).
Infelizmente, muitos outros materiais bastante raros e interessantes não foram preservados, como é o caso desse interessante auto de linha, flagrado por Sérgio Mártire em 1965 nas oficinas de Cubatão da Cia. City. Note o diminuto "girador" para inverter a direção do auto e, mais atrás, um dos carros de passageiros semelhante ao que está preservado em Cubatão:
Oficinas da City, 1965
Fotos e texto - Marcello Talamo

3 comentários:

  1. Caro Thales. Meu nome é marcello talamo e sou o criador de diversos dos sites sobre ferrovias, autor de fotos e de mapas que aparecem em seu blog, bem como slguns textos que servem de referência para suas publicações, como esse, por exemplo, onde o texto de abertura é meu, as informãções junto aos pesquisadores foram colhidas por mim e o mapa foi produzido por mim, que destaquei as estradas de ferro com programa fotográfico.
    Na verdade, eu não me incomodo em ter meus sites reproduzidos, mas me é desconfortável ver isso acontecer sem qualquer menção de fonte ou origem das informações. Não custa nada dar os devidos créditos.
    Tenho certeza que você odiaria ver partes do seu Blog reproduzidas em outros ambientes sem qualquer menção ao seu trabalho, estou certo?
    Vc me parece ser uma pessoa que gosta de ser valorizada e consequentemente valoriza o trabalho dos outros.
    qualquer coisa, vamos conversar, pois tenho mais material e poderia colaborar. meu e-mail é marcello.talamo@terra.com.br
    abraços

    Marcello

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  2. Existem atualmente no Brasil no mínimo 8 bitolas ferroviárias, que são:
    I -1,60 m Na região sudeste SP, MG, RJ e em expansão pela Valec.
    II -1,43 m Ferrovia isolada Amapa-AP, linhas 4 e 5 metro de SP e metro de Salvador-BA (em implantação) ~210 km.
    III-1,35 m Bonde de Santos-SP turístico (Única no mundo).
    IV- 1,10 m Bonde Santa Teresa-RJ turístico/passageiros.
    V - 1,00 m Em praticamente todo território+bonde E.F.Corcovado-RJ e E.F. Campos do Jordão-SP turísticos.
    VI- 0,80 m Locomotivas Krauss da antiga Cia Docas de Santos.
    VII- 0,76 m Ligação São João Del Rey-Tiradentes-MG turístico.
    VIII-0,60 m Trecho Pirapóra-Perus-SP turístico (em restauração).
    Destas, apenas a de 1,0 m com 23.678 km (73%) e a de 1,6 m com 6.385 km (27%) já inclusos os 510 km de mistas são relevantes, conforme dados da ANTT de setembro de 2011.
    O governo federal tem acenado com muitos projetos utilizando trens de passageiros convencionais regionais em média velocidade max. 150 km/h como SP-Campinas, SP-Sorocaba, SP-Vale do Paraíba, SP-Santos,
    (Com cremalheira), entre outros, utilizando parte da estrutura existente, semelhante projeto em curso na Argentina, numa expansão gradual e econômica, porem nenhuma teve prosseguimento, pois seria uma forma prática de se demonstrar ao governo federal de como se é possível implantar de forma gradativa, um trem de passageiros de longo percurso com custo, manutenção e tempo de implantação extremamente menor em relação ao TAV.
    Entendo que deva haver uma uniformização em bitola de 1,6 m para trens suburbanos de passageiros e metro, e um provável TMV no Brasil,
    e o planejamento com a substituição gradativa nos locais que ainda não a possuem, utilizando composições disponíveis reformadas em 1,6 m em cidades como Teresina-PI, Natal-RN, Maceió-AL, João Pessoa-PB, Salvador–BA operadas que ainda as utilizam em bitola métrica, com base comprovada em que regionalmente esta já é a bitola nas principais cidades e capitais do Brasil, ou seja: São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Recife, e Curitiba (projeto), e que os locais que não a possuem, são uma minoria, ou trens turísticos.
    Quanto aos desgargalamentos, entendo que deva investir urgentemente para construir o rodoanel, juntamente com o ferroanel norte e leste por questão de menor custo, alem de se reservar as últimas áreas periféricas paralelas disponíveis para estações ferroviárias em SP, como o:
    I ª Pátio do Pari,
    II ª Área entre a estação da Luz e Júlio Prestes (Bom Retiro) no antigo moinho desativado, e recentemente demolido.
    III ª Cercanias da estação da Mooca até a Av. do Estado na antiga engarrafadora de bebidas desativada no município de São Paulo.
    (continua).

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  3. (continuação)
    Notas:
    1ª A bitola métrica existe em 39 países, sendo que na América do Sul que é o que importa, ela esta presente nos seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile e Uruguai (mista 1,43 + 1,0m em implantação).
    O Brasil tem fronteiras terrestres com dez países, sendo que a integração com o Chile se faz via Argentina.
    2ª São seguintes as bitolas na Argentina em (km); 1ª 1,676 m- 23.191, 2ª 1,0 m- 13.461, 3ª 1,43 m- 3.086, 4ª 0,75 m- 823. Portanto, fica comprovado,
    que como no Brasil, a bitola de 1,43 m lá é minoritária, com somente 8% de participação.
    3ª Em nenhum dos principais países Sul Americanos a bitola de 1,43 m é majoritária e o modelo de trem rápido de passageiros a ser adotado pela Argentina é o TMV aproveitando parte da estrutura existente, semelhante ao projeto do governo paulista para trens regionais.
    4ª A Índia, não é só a segunda maior população do mundo, como a segunda maior rede ferroviária ou seja em (km),1ª 1,676m ~90.000, 2ª menor que 1,0m ~3.350. Portanto muito maior do que a soma de Argentina, Brasil, Chile e Uruguai juntos, sem um único km em 1,43m!!!
    5ª A bitola larga permite que se utilize a largura máxima padronizada para vagão de passageiros conforme gabarito, é de 3,15 m (Standard), sendo que a Supervia-RJ esta tendo que cortar parte das plataformas para se adaptar as novos trens, enquanto a CPTM-SP que já á possui para este valor, quer prolongar em ~ 9 cm, pois as composições recebidas como doação da Espanha além de outras que não as Budd ter que trafegar com plataformas laterais no piso em frente as portas de ambos os lados, pois são mais estreitas, criando um vão entre trem e plataforma em ambos os lados.
    6ª Padronizar gabarito de composições assim como forma de alimentação elétrica se terceiro trilho ou pantógrafo catenária é tão importante quanto a bitola, isto faz com que se tenha a flexibilidade das composições trafegar em qualquer local do país, sem que sejam feitas adaptações.
    7ª Para visualizar e comprovar através de uma planilha de comparativo de custos de materiais ferroviários de que a diferença de valores entre as bitolas de 1,43m e 1,6m é mínima, veja: http://www.marcusquintella.com.br, entre outras, e esta tem uma explicação lógica, pois o que muda é somente o truque (bogie), pois o módulo do vagão, gabarito e os demais equipamentos são exatamente os mesmos.
    8ª Os custos de implantação e manutenção do TAV (acima de 250km/h) aumentam significamente em progressão geométrica em relação a trem regional de passageiros convencional para um mesmo percurso.
    9ª São seguintes as dimensões de áreas úteis para vagões cargueiros, métrica: 2,2 x 14,0m, larga 3 x 25m, Significando que com a larga, é possível carregar até dois contêineres, ou dois caminhões ou vários automóveis em duas plataformas (cegonheiras) como já existiu no passado pela “Transauto”.
    10ª Assim como acontece em outros segmentos industriais, a padronização e uniformização de materiais ferroviários, constitui-se num fator gerencial importantíssimo com relação a logística, racionalização e minimização de estoques e custos com sobressalentes, máquinas auxiliares e composições reservas.

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